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Bastava pedir | Dias Campos

 por Dias Campos | 


Foto de René Porter na Unsplash

Quando Patrícia contava oito anos, seu desenho de TV favorito era interrompido por uma propaganda em que um idoso muito simpático presenteava a esposa com uma linda rosa vermelha. 

Essa cena, agradável aos olhos, corriqueira entre os que se gostam, deitou no coração infantil a semente de um desejo — ganharia do seu príncipe encantado a mais linda das rosas.

O príncipe havia, se bem que o eleito da escolinha ainda não se desse conta. 

Assim, os únicos presentes que Patrícia ganhava, e sempre à base de trocas, eram as famosas figurinhas colecionáveis, o que, convenhamos, ficavam muito aquém da sonhada doçura que aquela flor representava. 

Mas por que a princesa não era franca e, com todas as letras, pedia uma rosa ao seu escolhido? Os mais apressados apostariam na timidez. A realidade, contudo, era bem outra, e muito mais triste: seu orgulho já se fazia mostrar ao mundo. Para si, portanto, ter que pedir que lhe dessem uma simples rosa era algo impensável, insuportável, e que jamais aconteceria.

A vida, entretanto, apercebendo-se de sua arrogância, resolveu pagar para ver. E as forças da natureza reuniram-se, maquinaram, e dia a dia impediram que Patrícia ganhasse, fosse de quem fosse, a tão desejada rosa. Ela teria que compreender que o pedir não machuca. 

No entanto, ó paradoxo, isso só fez aumentar o seu orgulho.  

Um fato marcante agravou o psiquismo de Patrícia: pode parecer romanesco, mas não é incomum que um pai amantíssimo queira ofertar uma rosa à sua filha quando vem a saber que se tornou mulher; a vinda da fertilidade pode ser motivo de grande alegria. 

Patrícia soube dessa intenção por sua mãe, e ficou radiante. Afinal, ganharia a primeira rosa de sua vida, sem que, para isso, tivesse que se rebaixar. 

O destino, porém, que se mantinha resoluto, acercou-se de seu Armando de todas as maneiras, e uma vergonha intransponível tomou conta do seu espírito. E a ideia foi abandonada. 

Às vésperas de debutar, Patrícia já experimentava o vulcão do primeiro amor; em que pese às escondidas de seu pai. Idealizava o baile, as desafiantes valsas, e as rosas que ganharia do seu namorado assim que se vissem. 

Nesse meio tempo, soube que seu Armando lhe comprara uma linda gargantilha de diamantes, e ficou deslumbrada.

A joia e o baile vieram; as flores, não. 

E ninguém conseguiu compreender por que Patrícia ficou bastante amuada.

A maturidade chegou. E com ela, o casamento; não o próprio, mas o de uma grande amiga.

Patrícia estava eufórica, pois além de ter sido convidada para madrinha, Tatiana confessou-lhe que o buquê que escolhera fora confeccionado com as mais lindas rosas brancas. E sentenciou: 

— Desta vez não tem para ninguém!

  Ora, pensava consigo, mataria dos coelhos com uma só cajadada, pois receberia rosas de alguém, e, de quebra, seria a próxima a casar. Por isso, caprichou no longo, cobriu-se de adereços, e foi à festa com a certeza dos que anteveem a vitória.

Não faltaram olhares cobiçosos para Patrícia, linda que estava. E no vaivém das apresentações, um advogado conseguiu prender-lhe a atenção.

Fábio soube muito bem como se aproximar e cativar a desejada madrinha.

E Patrícia flutuava!... Ao que parecia, ela enfim conhecia a sua cara-metade.

De vez em quando, porém, a moça notava um estranho comportamento no admirador. Mas Fábio foi logo esclarecendo:

— Não é nada, quero dizer, nada com que você deva se preocupar. É que sou alérgico a rosas, e a decoração da mesa está me fazendo, me fazendo... — e um espirro estrepitoso foi a conclusão da explicação – Mas já estou me tratando há um bom tempo, e tudo indica que ficarei curado.

Essa afirmação acalmou Patrícia. E de tranquila passou a ansiosa tão logo a noiva lhe sussurrou que já sabia quem pegaria o buquê.

Com efeito, depois que Tatiana, com mais de um olhar insinuante, certificou-se da direção em que deveria jogar as rosas, estas voaram certeiras rumo às mãos da felizarda. 

O problema foi aquela tia extrovertida, alcoolizada e corpulenta que resolveu chutar a viuvez e medir forças com a pobre da sobrinha... 

O namoro com Fábio não foi longo. Depois de um mês, e de infindáveis espirros, Patrícia resolveu terminar o relacionamento.

Pouco tempo depois, conheceu quem seria o seu verdadeiro amor, um arquiteto muito bem sucedido.

Foi pedida em casamento na noite do réveillon, e aceitou radiante.

Agora, concluía, seria impossível que a vida a brindasse com filhos, mas lhe negasse as flores que anelava! 

Casou-se no mês das noivas. Mas porque se recusasse a pedir rosas, a confecção do seu buquê coube à profissional responsável pela decoração, que jurou serem os copos-de-leite a última moda.

Os filhos vieram. Era um casal lindo e saudável.

Desta feita, planejava Patrícia, se não abrisse mão de dar à bebê o nome de Rosa, talvez o seu marido se tocasse e a presenteasse com as flores que por décadas suspirava. 

No entanto, Carlos, que ficara deslumbrado por ter podido escolher o nome do seu futuro varão, limitou-se a um beijo afetuoso, acrescido de uma caixa de bombons de cereja. 

Na realidade, ele tinha percebido aquela dica. Mas o ódio pelas rosas falou mais alto. É que sua mãe lhe revelara, ainda no leito de morte, que seu pai tinha o hábito de distribuí-las às amantes. 

 O tempo passou ligeiro. O filho cresceu, casou-se, e o primeiro neto chegou. E toda vez que Patrícia ia visitá-lo, aparecia com o coração opresso, pois geralmente era obrigada a apreciar, no centro da sala de estar, um lindo vaso de cristal caprichosamente adornado com rosas amarelas, as preferidas de sua nora.

Mas foi quando sua filha engravidou que Patrícia finalmente se convenceu de que jamais ganharia uma única rosa, uma vez que o seu orgulho sempre se imporia.

Enganava-se... 

Ela faleceria dias após sua filha dar a luz. E à medida que o caixão baixava, todos lhe ofereciam dezenas de rosas.



Dias Campos é autor do romance “As vidas do chanceler de ferro”, Lisboa: Chiado Editora; Colunista do Jornal ROL; do (atual) site Cultura & Cidadania; do Portal Show Vip; e do (atual) portal Pense! Numa notícia; autor de diversos textos literários; autor e coautor de livros e artigos jurídicos.