Popular

Despedaçar | Adriano Espíndola Santos

por Adriano Espíndola Santos |


Foto de Jr Korpa na Unsplash

Não sei do paradeiro de Diva — Divina, como eu a chamava. Veio de outras paragens, provavelmente de Belize ou Guatemala, não sei. Sempre esteve de passagem por onde andou, pelo que sei — e eu, lerdo e apaixonado, não percebi o tempo exato de dar no pé. Foram dois meses juntos, talvez para ela apurar um trocado e se debandar, nada mais. De fato, desapareceu, sem sobreaviso. Não da minha memória. Ainda me lembro do dia em que a encontrei na Praia de Iracema. Ela parecia bastante diferente, com um quê de tímida e astuciosa ao mesmo tempo. Sabia se safar das investidas. Foi atentada por vários homens, e todos ficaram para trás — eu a via de longe, tomando uma caipirinha no bar da esquina. Até que me aproximei. Criei coragem e saí do meu lugar de conforto para sutilmente tocar naquele enigma. Seus olhos azuis me atraíram, e, enfeitiçado, me vi entregue aos seus mandos. Ela me chamou para ver as suas artes, expostas logo ali. Contou-me que saíra de Belize para conhecer o mundo e não tinha para onde voltar. Num primeiro momento, pensei em levá-la para o meu apartamento e abrigá-la. Ela se mostrou arredia, foram horas conversando, até que me seguiu. Precisava tomar um banho, disse. Deixei que ficasse e se sentisse como se estivesse em casa. Enquanto tomava banho, preparei um risoto. Não sabia se ela gostava, mas, como cozinho relativamente bem, seria uma maneira de atraí-la. Abri um vinho e coloquei sobre a mesa. Ela, logo que saiu do banho, me deu um abraço de agradecimento; parecia uma menininha pura, indefesa. Pedi que sentasse à mesa. Preparei o seu prato, bem caprichado, porque sabia que estava com fome, e ela demonstrou, sem vergonha, a que veio; comeu tudo e lambeu os beiços. Não tocou no vinho. Para mim, mal-intencionado, seria a deixa para levá-la para cama. Mas o nosso encontro de corpos, em êxtase puro, só aconteceu dias depois, quando ela estava acostumada à casa… Ainda hoje, Diva é uma espécie de fantasma que atiça a minha lascívia, nos dias e horários mais impróprios. Não tem pena de mim, nunca teve. Fiquei, no abandono, dias sem poder trabalhar, lambendo as minhas feridas incógnitas — ela não me disse o porquê. Não sabe o bem e o mal que me fez, por partir. Partiu meu coração, por meses despedaçado, até que eu encontrasse Teresa, para ter um pouco de consolo. Há quem diga que Diva mora numa praia quase desabitada, irmanada à natureza, lá para as bandas da Bahia. Há, também, quem diga que ela morreu. Nunca saberei a verdade, mas prefiro acreditar que, como ventríloqua, ela vive a cutucar a minha memória, com os seus açoites e carinhos – e me deixa zonzo de suposições. Como é que se pode permanecer assim, com esse desejo reprimido? Sonho e gozo, gozo e sonho. Foi-se um pedaço de mim com essa égua desalmada. Por só uma vertigem de paz a encontrei, para viver assim, aflitivo, mordaz.




Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir — sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram: @adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com