por João Oliveira Melo |
Dr. Fantástico e o sadismo autodestrutivo
Dr. Fantástico (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb) é uma adaptação cinematográfica em preto e branco do livro Red Alert (1958) de Peter George. Dirigido por Stanley Kubrick, lançado em 1964 com classificação nos gêneros sátira política, humor ácido, tragicomédia e guerra. O longa conta com o protagonismo do ator inglês Peter Sellers, interpretando três personagens principais.
A história se inicia quando membros da força aérea americana, o general Jack D. Ripper (Sterling Hayden) ordena para o capitão Lionel Mandrake (Peter Sellers) a executar o plano R, fechar todas as linhas de comunicação e contato ao exterior. Ripper formulara uma teoria, após perder prazer em um ato sexual, de que o governo comunista estava envenenando a água com fluoreto para acabar com a pureza dos “fluidos corporais” e que os EUA deveriam contra-atacar. O plano R é um ataque nuclear surpresa para combater falhas do governo norte-americano de não conseguir se defender de investidas da espionagem comunista na Casa Branca, mas ninguém esperava que um general insano iria executá-lo. A trama se desenrola em três frentes principais: Mandrake tentando conter a operação desencadeada nas Forças Aéreas; os pilotos de um bombardeiro que seguem rumo ao ataque nuclear; e o presidente Merkin Muffley, ao lado do estrategista Dr. Fantástico (ambos interpretados por Peter Sellers) e de generais no Salão de Guerra, empenhados em evitar o desastre atômico.
Vários diálogos e nomes dos personagens são trocadilhos de duplo sentido. Jack D Ripper é uma referência a Jack, o estripador, assassino em série conhecido por matar prostitutas na Inglaterra e não ter sido capturado. Mandrake é o nome de um dos primeiros heróis de quadrinhos, famoso por utilizar magia. O Presidente Merkin Muffley tem o seu primeiro nome tirado de uma peruca utilizada na área pubiana e o segundo de uma gíria para os pelos pubianos das mulheres. Já o General Buck Turgidson (George C. Scott), a palavra “turgid” pode ser utilizada por alguém que fala várias palavras complicadas ou ereção. No caso do Embaixador russo Alexi de Sadesky (Peter Bull), o sobrenome é uma referência ao Marquês de Sade, filósofo francês notório por inspirar a criação da palavra sadismo e apoiar a extrema liberdade sexual com a liberação dos bordéis, torturas e outros tipos de fantasias anormais para satisfazer desejos sexuais.
Por trazer jargões militares, estereótipos nacionais, humor sexualizado e um tom satírico por vezes ácido, o filme pode causar estranhamento ou mesmo ofensa a alguns espectadores. Ainda assim, trata-se de uma das sátiras mais afiadas já produzidas sobre a Guerra Fria e sobre as teorias conspiratórias alimentadas por grupos de direita paranoicos diante de ameaças irreais. A narrativa evidencia, com ironia devastadora, o quão absurdo, irracional e catastrófico é o próprio conceito de um conflito nuclear.
João Oliveira Melo é natural de Recife. É aluno do sétimo período do Curso de Ciências Sociais (UFRPE).


Redes Sociais