por Luiz Henrique Gurgel |
Em qualquer parte do meu coração
Não consegui expressar muita coisa quando soube que ele acabara de partir. Já sou meio lento naturalmente, mas numa hora dessas, meio atordoado com o acontecido, se eu estiver tomando conta de duas tartarugas, uma escapa. É a velha e banal pergunta: por que certos artistas, ou melhor, suas obras e suas personas, nos afetam tanto? Nem quero entrar nessa conversa, só sei que a morte de Lô Borges transtornou muita gente, eu inclusive.
Ainda paralisado e buscando notícias na internet, li a lindíssima crônica da editora desta Mirada, a Taciana Oliveira. Também ela com a alma remexida pela ida de Lô. Desde que a conheci, fico admirado com as músicas e canções que ela coloca para ilustrar as edições da revista nas redes sociais. Senti logo que tínhamos muita afinidade musical. Taciana conhece música popular, tem gosto apurado e até já dirigiu videoclipes de gente importante.
Assim como ela, antes mesmo de o(s) Clube(s) da Esquina ou o disco do Tênis flecharem meu coração, coube ao Via Láctea fazer isso. O adolescente aqui ficou louco com Vento de Maio, com a versão de Clube da Esquina n. 2, a própria A Via Láctea, Equatorial e tudo mais. Depois descobri Nuvem Cigana, Sonho Real e eu estava apaixonado por certa moça, fã de Beto Guedes, de Lô, do Clube e trocávamos — não necessariamente nessa ordem ou então tudo ao mesmo tempo — papos, beijos, cartas, carícias e bilhetes com letras das canções. E ainda tinha Um Girassol da Cor de seu cabelo, que até hoje pode me fazer chorar ou dançar ao lembrar de um outro daqueles amores que ficaram no caminho, ou melhor, para ser mais direto, de outra moça que tinha essa cor no seu cabelo encaracolado e denso e macio. Pena que tenha sido efêmero, mais para flor dente-de-leão do que girassol.
Lô foi o elo de muita gente com certo jeito “hiponga” de ser (relacionada a hippie mesmo), já meio fora de moda quando embarquei nessa. Eu andava feliz da vida com uma bata indiana — legítima — que achei no pó da estrada da Vila de Paranapiacaba. O menino tímido começou a ir ao colégio com ela, para espanto, risos e olhares tortos de colegas. Nem as meninas me deram muita bola, e eu achando que ia impressioná-las no meio de tantos caretas. Ainda por cima ficava cantando Trem de doido e tocando solos com a guitarra imaginária, uma “air guitar” de mineiro.
Mas o melhor, para mim, estava por vir. Anos depois, tive a chance de entrevistar Lô Borges para uma nano emissora de TV local. Fiquei ansioso, nervoso, eu mesmo fui buscá-lo no hotel. Fiz o tímido moço mineiro de BH autografar todos os LPs dele que eu tinha. Eu estava tão deslumbrado que esqueci de levar máquina fotográfica, não havia celular.
Ainda hoje na estante, ao alcance da mão e dos olhos estão as capas dos vinis com os autógrafos. Na memória, a doce lembrança de pela primeira vez entrevistar alguém que havia composto, cantado e tocado coisas especialmente “para mim”. Era o que qualquer pessoa podia imaginar quando ouvia as canções de Lô, Beto, Ronaldo, Fernando, Márcio, Toninho, Milton… O vídeo com a entrevista se perdeu, menos os olhos grandes de Lô, o sorriso discreto e as sonoridades até hoje tocadas na rádio cabeça. Tudo ainda vivo em qualquer parte do meu coração.
Luiz Henrique Gurgel é jornalista, professor e pesquisador. Mestre em Literatura Brasileira pela USP, é autor do livro de contos “amores malfadados” (Ed. Primata, 2020) e “Porque era ele, porque era eu e outras quase histórias” (Caravana Editorial, 2023).
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