Dez para as sete, conto de Adriano B. Espíndola Santos

 por Adriano B. Espíndola Santos__




Faltavam dez para as sete da noite. E a marca é emblemática porque, nesse horário, invariavelmente, mãe Joana pegava os talheres e objetos da cozinha e os dispunha de forma harmônica na mesa, para, depois, com um grito seco, dado o acúmulo de vontade e a ausência de cordas vocais, nos chamar para o jantar. Em projeção rigorosa, previsível, todos devíamos nos sentar em volta da mesa, de preferência bem próximo à matriarca. Nos dias de inverno, não queira saber como as medidas austeras se conformavam: o extremo da ordem. Ela não teria tempo a perder: “Não vou passar o tempo a insistir [um breve espaço para respirar]; se já sabem que almoço e janta se fazem em família, por que devo, ainda nessa idade, adverti-los quanto às boas maneiras?!”. Na sequência, introjetava-se em seu mundo, alheia aos acontecimentos, que, por termos nossas crianças pequenas, como de fato ocorria, turvavam o tempo; mas ela, possivelmente satisfeita somente com a reunião, continuava sua jura de mulher inquebrável. Vale dizer que não éramos mais meninos birrentos; todos, exceto o Renato, por convicção, somos casados e com filhos. Portanto, imagino que numa situação normal, na vida comezinha dos mortais, não deveríamos ser tão restritos aos mandos da matriarca. Pretensão irrealizável, por um sentido de respeito quase militar. Ainda sobre as nossas reuniões, para que se tenha noção da rigidez, passávamos em média uma hora sentados, uns cansados e outros penitentes, olhando para o prato ou para o teto; nunca mirávamos diretamente para os demais cativos. Juliana, José e Renato não diziam, mas se sentiam, assim, meros prisioneiros, estritamente cerrados às direções da mãe. Eu, por um lado, me resignava à condição de mais velho, com certo poder, como mãe me fez crer, e, por isso, saía, hora ou outra, para algum lugar para fumar. A matriarca jamais poderia supor a minha antiga mania. Não deixei rastro. E meus irmãos estavam impedidos de soltar qualquer gracejo nesse sentido. Dia dez de fevereiro, no horário limite, aportei esbaforido na porta da casa de minha mãe. O trânsito, fora do normal, estava um caos. O dia havia sido terrível, com a dispensa de um amigo, o Elimar, que trabalhava ao meu lado; um companheiro para todas as horas, que, inclusive, tantas vezes insistiu para eu ficar na empresa, até o chefe se convencer de minhas habilidades e “ir com a minha cara”. Quando meti o pé, o cenário se fechou, como se uma cortina grossa descesse sobre os meus olhos. Não eram as pálpebras que pesavam, mas a névoa sombria que sufocava o lugar. Renato pegou em meu ombro, choroso; não disse palavra. Sendo o mais novo, decerto queria o meu colo. Juliana, inabalável, não esboçava qualquer expressão. Muito parecida com a mãe, mantinha o ar grave e convencida de verdades. José, então, com as cavilações de papai, um tanto passivo, apático, falou entredentes: “Mamãe morreu. Dez para as sete. E cumpriu os seus desígnios”. Renato não me largava, como se estivesse abandonado pelo destino, e eu o cercava por todos os lados; todos os braços o envolviam, e nos comprometíamos com um plausível desfecho feliz.



Adriano B. Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance Flor no caos, pela Desconcertos Editora; e em 2020 o livro de contos, Contículos de dores refratárias, pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados em diversas revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir - sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.