Três poemas do livro Além da Máscara, de Naiana Íris e Lara Tavares

 por Taciana Oliveira__




VI



Eu tenho medo da morte. Sempre tive.

Quando criança a minha mãe tentava me convencer de que ela era necessária:

- Quem não morre vira sementinha. Você quer ser uma sementinha?

Eu, que não sabia ao certo o que faziam as sementes, preferi acreditar no paraíso que me era descrito. Cheio de flores, anjos e fadas, um típico jardim de filmes da rainha Xuxa.
Isso era fé.

Mas eu a perdi quando o meu tio me tocou e a minha família ficou em silêncio.
Eu a perdi quando descobri tanta miséria e violência.
Eu a perdi quando o homem que eu amava me disse que eu não podia ser Íris - deusa das cores - e, ao mesmo tempo, uma macumbeira: " não combina nem com a sua cor..."
Eu a perdi quando morreu o meu Pássaro de fogo e o meu amigo-som. E, de novo, a perdi quando Vênus se foi.


A vida inteira do mesmo modo, ora crente, ora descrente - até de mim. Mas, como diz o filósofo, "a dúvida é o preço da pureza".

E é por isso que eu me renovo, e é por isso que eu me renasço.

Hoje
Eu tenho fé quando abraço o perdão.
Eu tenho fé quando mulheres se unem e gritam as suas dores, empoderam-se e ganham força. Eu tenho fé quando o meu irmão vai na contramão do mundo, vibrando amor e compaixão. Eu tenho fé no afeto entre os meus pais e no carinho que eles nos dedicam.
Eu tenho fé quando o homem que eu amo diz que eu sou linda e a sua Fortaleza, independente de escolhas, gostos e cabelos... Eu tenho fé quando me sinto acolhida por pessoas que eu sequer posso ver no momento.
Eu tenho fé na caridade, na beleza e na vida.

Germina em meu peito a bondade e a pureza que, às vezes, parece faltar no mundo.

Mas é que eu tenho fé.
Eu vivi.
Eu morri.
Eu renasci.
E hoje tudo o que eu posso dizer é:

- Eu já sou uma sementinha, mamãe.






IX



Na minha agenda contém muitas ideias e tarefas.
Desde vendas online ao início de uma nova dieta, nenhuma fora realizada.

Abri os olhos e senti.
Ignorei!
Mas
antes que eu pudesse fugir, fui invadida. O dia na folha tornou-se aquele que não aconteceu:

Amanhã será diferente!

Uma página em branco, pronta para ser preenchida com passos curtos e linhas pacientes...
Palavra por palavra.
Dia por dia.

Às vezes eu me expando. Em outras, eu me espalho.

De vez em quando eu até encolho.
Até me reconstruir.


Porque sem aviso, eu sinto.
E é do sentir que a minha alma se esconde.






XI

A felicidade não é um sentimento permanente. Crescer ensina a nos contentarmos com a brevidade de ser e de existir.
Apesar disso, na maior parte do tempo, levo em consideração a máxima "aqui de casa":

Tudo vai ficar melhor do que antes.

E fica.
E vai.
E volta.

Porque nada é eterno nessa vida de pequenas mortes. Mas tudo é vida enquanto não passamos pela grande morte.

Há uns meses eu apenas dormia na minha casa e vivia no e para o trabalho.
A vitrola silenciosa tinha mais poeira do que discos já puderam, até ali, serem rodados.
Eu rejeitava a ideia de plantas e animais por medo que morressem de tanta solidão.
Os meus vestidos frouxos e coloridos, os quais chamo carinhosamente de sacolas, ficavam com cheirinho de mofo pela falta de uso.
Os livros pareciam perdidos, confusos de não cumprirem as suas funções...
E ainda tinha o fogão sem os meus famosos bolos de chocolate,
a minha TV desligada e o ambiente de escrita nunca frequentado...

Eu estava acostumada ao desconforto.

Hoje é diferente.

Existem vezes em que a cama me abraça e o lençol enxuga os líquidos da minha dor.
Mas nem por isso sou triste.

Valerá para o futuro os dias em que eu levantei e consegui meditar, fazer Yoga, tomar um bom chá, cuidar das plantinhas, cozinhar, ver série, ler, escrever...

Amar!

Amar plenamente cada espaço: os internos, e os que resido.





*Poemas do livro “Além da Maáscara ", de Naiana Íris e Lara Tavares (selo Mirada, 2021)

*Ilustrações de Lara Tavares.







Naiana Íris, cantora, ilustradora, empreendedora, escritora, graduada em Letras e Mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará. Escreve desde criança e, atualmente, é Membra do Coletivo feminista TerraMulher (@terramulher_), composto por 4 escritoras cearenses. Também deixa os seus escritos em seu blog e no Instagram, ambos intitulados A ponte para o Ser (@aponteparaoser_). Além disso, trabalhou na organização, juntamente com a escritora cearense Vitória Andrade, da Antologia O Amor nos tempos de lonjura (2020), publicada pelo selo editorial Mirada. Tem ainda uma loja virtual de artigos de decoração e acessórios vintage e retrô, cujo nome Anastácia retrô (@anastaciaretro_) é uma homenagem a sua avó paterna.



Lara Tavares
, cearense, feminista, ilustradora freelancer e graduanda em Arquitetura e Urbanismo. Inspirada por arte minimalista, possui trabalhos publicados na antologia O Amor nos tempos de lonjura (Selo Editorial Mirada, 2020). Também ilustra para a loja @corpoliterario, com produções que rodeiam literatura, feminismo e cinema.






Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.