por Taciana Oliveira__
Na sua terceira edição, a Periférica - Mostra de
Cinema investiu na programação online de filmes nacionais e estrangeiros,
oriundos de países da América Latina. Foram selecionados 50 curtas, 04 longas, além
das diversas ações formativas contempladas pela produção do evento. E dando
continuidade ao fomento da prática de atividades e políticas audiovisuais, a organização
da mostra criou o Ciclo
de Ações Pedagógicas. Nas minhas conversas
com Ângelo Fábio, coordenador e curador da Periférica, ele destacou o diálogo com o
cubano Orlando Vergés, diretor da Casa
del Caribe e
Festival del Caribe:
Para o
Orlando, foi de grande surpresa o trabalho de resistência que temos feito aqui
na cidade de Camaragibe e em Pernambuco, abrindo portas para o seu país, que
desde o golpe contra a presidenta Dilma foram fechadas. Fiquei bastante
surpreso e contente por sua abertura e honestidade diante a tudo que foi dito,
e isso faz com que eu/nós siga/sigamos neste caminho tão árduo que vem sendo o de
viver de arte e cultura num país onde este setor desde sempre foi o mais
afetado, exceto nos governos de Lula e Dilma.
Por fim, a Periférica foi convidada a participar da
40ª edição do Festival del Caribe, a ser realizado este ano em formato híbrido,
onde nós, além de apresentarmos nossos trabalhos ficamos também responsáveis em fazer a
curadoria de artistas de Pernambuco e do Nordeste, para que eles possam estar
presentes na próxima edição do Festival del Caribe 2021. Em momentos de tantas
perdas tivemos uma grande conquista, e com isso um pequeno e breve suspiro de
que dias melhores possam vir.
Desejo de coração que o Ciclo de Ações Pedagógicas da
Periférica - Mostra de Cinema de Camaragibe, seja um elo de conexão e vida,
pois nós artistas somos os que ainda promovem esperança e alegria nestes
tempos de fúria, ódio, política genocida e necropolitica. Fomos os primeiros a sofrerem com a pandemia e certamente seremos os
últimos a sair dela. E graças a Lei Aldir Blanc estamos conseguindo nos reerguer um pouco.
Neste ano, A Periférica - Mostra de Cinema de
Camaragibe teve como tema: Cultura Latino - Americana e o Fogo Popular. Abaixo, segue uma entrevista com parte da
equipe da organização do evento.
1 - Qual a avaliação que vocês fazem da 3ª
Edição da Periférica – Mostra de Cinema de Camaragibe?
Na
minha perspectiva é uma avaliação muito positiva. A mostra tem crescido e se
consolidado no cenário dos festivais independentes do Nordeste. Apesar das
dificuldades e contradições, o formato online proporcionou uma maior
visibilidade e circulação de informações sobre a mostra, sua programação em
geral e os filmes de forma mais específica.
A
terceira edição da Periférica foi um êxito! Tivemos uma receptividade muito
boa, e contamos com um público diverso e internacional. A página da mostra
contou com um acesso de 4.836 visitantes durante a semana de exibição dos
filmes. É um número considerável de acessos.
Além
disso, só tivemos feedbacks positivos através das nossas redes sociais, do
contato de amigos, colegas de trabalho e através da recepção da mídia. Em
algumas matérias e jornais a curadoria foi destacada por apresentar filmes com
narrativas anti-hegemônicas, ou seja, narrativas que questionam o próprio fazer
cinematográfico ao passo que apontam outros caminhos. Com isso ficamos felizes
pois o nosso objetivo é criar outras rotas!
2 - Neste ano vocês contaram pela primeira
vez com a participação de filmes estrangeiros.
Quais os critérios que foram analisados pela curadoria para compor a
programação?
A
curadoria se constituiu a partir de um olhar muito aberto à dimensão
latino-americana da qual o Brasil, mesmo muitas vezes sem saber, faz parte.
Nosso critério básico foi visibilizar produções de caráter mais independente e
com proposições instigantes que nos auxiliassem a pensar não apenas nas
questões formais do cinema, mas sobretudo na sua relação com as dinâmicas
sociais, sobretudo neste momento em que vivemos.
3 – Quais atividades terão continuidade
após o término da Mostra?
Pretendemos
dar continuidade ao projeto da Periférica. Estamos implementando uma lojinha
virtual para a venda de produtos da Mostra com a ilustração especialmente
desenhada pela Artista Visual e poeta Amanda Moraes para esta edição, como por
exemplo: camisetas, ecobags, pôsteres (in natura ou emoldurados), canecas entre
outros.
A lojinha vem com o intuito de arrecadar
fundos para futuras ações do coletivo. Não discutimos ainda sobre todos esses
caminhos que a periférica pode percorrer, mas já temos possibilidades de
ampliarmos esta 3ª edição com a exposição fotográfica e acervo fotográfico do
Designer e fotógrafo Josivan Rodrigues, que bem captou em sua lente inúmeras
imagens da Homenageada da Mostra (Dona Dora) e seu brinquedo (o Boi
Rubro-Negro).
4 – De que forma a Periférica, mesmo nesse
quadro de pandemia, impacta na produção cultural da região?
Mesmo
no formato virtual a Periférica impacta na produção local, pois já é um evento
esperado pela comunidade local. Impacta, pois, traz atividades formativas que
potencializam a formação de público e capacitam jovens para trabalharem no
setor audiovisual. Além disso, conseguimos levar entretenimento ao nosso
público. O nosso único desafio é vencer a barreira social que impossibilita a
muitos de terem acesso à internet e levar entretenimento, educação, cultura e
diversão a essas pessoas. Mas vamos nos dedicar em estudar novas estratégias
para ampliar o nosso público cada vez mais.
Mesmo
em tempos pandêmicos, conseguimos ter um bom impacto na produção cultural de
nossa cidade e de outros locais, pois podemos visualizar a diversidade de
pessoas que se inscreveram nas oficinas e de outras que puderam ter acesso aos
debates e filmes. Contudo, ainda percebo uma grande dificuldade do nosso
projeto chegar para grande parte das pessoas de comunidades que não têm acesso
aos nossos produtos culturais, e que seria este o nosso grande objetivo a ser
almejado. Por outro lado, analisando os gráficos e métricas do site, observamos
que a Mostra teve um alcance internacional considerável com acessos em vários
países da América Latina, Central e do Norte, Europa e Ásia.
5 – A grande homenageada da Mostra ganhou
um documentário intitulado Dona Dora – A
mística do Boi. Contem pra gente como foi a recepção da comunidade diante
da exibição do filme. Qual o projeto de vocês para novas exibições?
“Dona Dora. A mística do boi” é um breve recorte do quão mágico, complexo e apaixonante é este brinquedo popular. Foi bastante difícil concretizá-lo por conta da pandemia, o distanciamento social e tantos outros fatores, mas para isso foi de fundamental importância a contribuição direta de Nino Ferreira (Maestro do Boi) que esteve conosco durante todo o período, sempre nos aproximando da Dona Dora. Acredito que houve uma boa receptividade pelas pessoas em geral. Tem sido bastante simbólico os compartilhamentos de storys e fotografias no outbus que homenageiam Dona Dora. A recepção tem sido bastante acalorada e de muitos agradecimentos, seja por parte dos/das participantes do Boi, quanto aos familiares e moradores/as de Camaragibe: "Dona Dora é merecedora de uma homenagem assim. Esse Boi nos representa muito. Dona Dora nos representa ".
Nas
considerações dos seus familiares, nos chegou à informação de que muitos ficaram
contentes com esta ação da Mostra. Mas pelo que soubemos da família da
Homenageada, que não é pequena, houve grande comoção e festejo por ela ser o destaque
nesta edição do evento, inclusive nos designs das peças publicitárias onde a
mesma e o Boi Rubro-negro foram o mote de toda campanha.
Estamos bem felizes com o resultado do
material e já estamos pensando em alguns festivais para inscrevê-lo, visto que
a partir disto ganhará vida própria no circuito independente. A ideia também é de
quando pudermos voltar aos eventos de rua, exibir o filme em nosso cineclube.
6 – Como a mostra se adaptou a realidade da
pandemia?
De
fato, foi uma grande odisseia nos adaptarmos a esta nova realidade, pois os
obstáculos tecnológicos foram bem maiores do que prevíamos. Mas com a ajuda de
nossa equipe técnica e uma boa dose de criatividade conseguimos transpor esses
desafios. Neste sentido também observamos que esta nova modalidade não ficará
presa a estes momentos pandêmicos. Acredito que nas novas edições da Periférica
esta prática poderá ser melhorada e readaptada criando um ambiente híbrido, ou
seja, um evento que será produzido entre o presencial e o virtual.
Assim
como todas as mostras e festivais, houve a necessária adaptação para o formato
online. Neste formato perdemos muito da dinâmica de encontros, trocas e afetos
presenciais que também fazem com o que o festival se potencialize nas nossas
práticas e relações cotidianas com o cinema. Contudo, por outro lado, o online
nos proporcionou a possibilidade de mais pessoas acessarem a mostra e o ciclo
ações pedagógicas, o que aumentou muito a circulação da programação.
A
Periférica, assim como a maioria das mostras e festivais (nacionais e
internacionais) teve de se adequar ao formato virtual. Embora tenha sido um
desafio, já que ainda há a luta para levar o nosso público, que muitas vezes
não tem acesso à internet, para o mundo virtual. Ao mesmo tempo abriu portas
para tornar a mostra internacional. Assim criou-se espaço para novos diálogos
com instituições dos países da América Latina e a mostra se tornou
internacional. Ainda precisamos aprender muito sobre essa questão de adaptação
ao mundo virtual, sobretudo no tocante à plataforma de exibição, mas
conseguimos criar uma página com acesso fácil e gratuito aos filmes, acredito
que esse tenha sido o nosso grande passo.
7 – Do primeiro ano de realização até a
produção da 3ª Edição da Periférica, quais as principais metas alcançadas?
A Periférica surgiu como uma proposta política de levar cultura à população geral, de ocupar espaços públicos esquecidos e inutilizados pelos governantes. Uma proposta formativa de público. Esse processo é lento e gradativo, mas já alcançamos grandes conquistas ao longo dessas três edições. Conseguimos criar um evento cultural que faz parte do calendário da cidade de Camaragibe, conseguimos lutar pela utilização do Cine Teatro Bianor Mendonça Monteiro como espaço cultural, que é utilizado por grupos diversos e ainda estamos no processo de formação de plateia, o fator mais longo do processo.
Acreditamos
que alcançando o público mais jovem, sobretudo através das oficinas que são
realizadas ao longo da mostra, que através delas conseguimos despertar o
interesse pelo audiovisual, e assim além de estimulá-los a assistir filmes (não
só os da mostra, mas de uma forma geral). Além disso conseguimos capacitar
esses jovens para que eles venham futuramente desempenhar funções dentro do
mercado audiovisual, pois já provemos oficinas que tratavam da produção audiovisual,
da escrita do roteiro, da crítica à descolonização do olhar, dentre outras
oficinas. Todas com o intuito de despertar o interesse e capacitar novos
profissionais.
As principais metas alcançadas foram a reabertura do Cine Teatro Bianor Mendonça Monteiro, espaço público municipal da cidade de Camaragibe que até então estava fechado para realizações de eventos teatrais e de cinema. Concomitantemente, a formação de plateia e a criação de uma nova percepção crítica sobre novas e outras culturas também foi e ainda é um objetivo que ainda estamos percorrendo para alcançá-lo. Embora saibamos das nossas grandes conquistas nesse campo, pretendemos nos esforçar mais para que tenhamos um público mais diverso, principalmente àqueles que ainda não tem acesso a esse tipo de informação e cultura.
* Acessem: site Periférica - Mostra de Cinema
Ângelo Fábio - Coordenação Técnica, Produção Geral e Curadoria
Izabel de Fátima - Curadoria
Danielle Valetim - Coordenação Técnica e Produção Executiva
André Soares
- Coordenação Técnica e Design
Taciana Oliveira é mãe
de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada
por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos.
Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter
coragem.