Catábase, crônica de Valdocir Trevisan

 

por Valdocir Trevisan__


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Hein? Catábase? O que é isso?  O que significa?

 

Segundo a filósofa Márcia Tiburi esse termo é usado na literatura para lembrar descidas aos infernos, além de se referir à outras "caídas".

 

Márcia fala em humilhação como exemplo de catábase, uma vez que humilhar lembra uma descida ao inferno. É quando o humilhado perde sua voz e dignidade, lembrando a teoria da Comunicação Espiral do Silêncio, uma teoria onde o opressor "obriga" o oponente a ficar quieto, mudo.

 

Como uma catábase silenciosa.

Como as velhas artimanhas da indústria cultural que prendem nossas liberdades e emancipações quando a humilhação restringe nosso cotidiano impondo limites naqueles "tocados ou que serão violados, pois estão na mira", acrescenta Tiburi. E por incrível que pareça, a humilhação está inserida nas famílias, escolas, nas "instituições" de Foucault, e diante tais relações, a catábase revela seu ponto nefasto, trabalhando como controle.

 

Controlando os passos humanos que devem seguir as normas, caso contrário...catábase...tipo assim, controlando minha maluquez....

 

Para não cair, devemos andar no passo certo seguindo as normas ditadas? Deveria responder sim, só que não, ora, é isso que estou querendo dizer, não quero cair em tentação muito menos em catábase.  Porém, temos que ter conhecimento de sua existência, não é mesmo? Pois somente assim poderei ter controle de minha vida, e decidir o que é o certo ou o errado. Eu e somente eu. Claro, com coerência.

 

Para evitar humilhações, o discernimento é fundamental, simples. E nesses entremeios, surge a relação da catábase com a resiliência, palavra da moda, vigente e ativa. Se caímos, rogamos à resiliência.  E se tudo está correndo bem, ótimo, vamos prosseguir companheiro. Porém, estamos passando uma pandemia desgraçada, vivemos um (des)governo que mais parece um hospício, vivemos com crises econômicas, vivemos, vivemos e...sobrevivemos...

 

A catábase vem, mas a resiliência também. As leis da vida estão aí e apesar "deles", amanhã será outro dia.

 

Os paradigmas e conceitos mudam e mesmo com cotidianos líquidos (Bauman), e uma identidade pós-moderna em crise (Stuart Hall), o rei sol vai entrar em nossas casas com sua beleza magnânima. E quando nossas estruturas pedem socorro, forças desconhecidas surgem dos subsolos. Crescemos e amadurecemos à força, literalmente.

 

Quando matamos nossos pais (no sentido figurado), estamos assumindo responsabilidades.

 

Interessante perceber que o conceito catábase ainda não circulou nos milhares de livros de auto-ajuda. Realmente curioso. E catábase não significa catar bases existenciais ou mesmo na nossa linguagem, pois somos humilhados com a imposição dos vocábulos de outros idiomas como: center, tower, etc.

 

Que orgulho do Policarpo Quaresma que desejava um hino nacional em tupi-guarani. As cenas com o recém falecido ator Paulo José permanecem em minha mente como refúgio das identidades latinas.

 

São violências culturais originárias desde a nossa descoberta no século XVI, onde "vivemos desde então, o paradoxo de sermos definidos por palavras que não nos representam", acrescenta Márcia Tiburi. Quase um caos em nossa identidade onde a liquidez nos deixa à deriva. E a catábase nos leva aos quintos dos infernos dos imperialismos e opressões. Como a Revolução Industrial, sim, a Revolução do "Progresso" que massacrou a massa trabalhadora.  Deixo como exemplo para leitura “Germinal”, de Émile Zola, um drama humano.

 

Também me vem à cabeça o "divertsement" de Pascal: para fugir de nossos sofrimentos buscamos alegrias com alegorias. Fugas como jogos e vícios para "afastar" nossas misérias humanas. Para amenizar nossas descidas ao inferno, apelamos a famosa resiliência com doses de fé como se fôssemos Jó.

 

A "Queda" de Camus é referência para outras descidas de ladeiras. No romance o narrador, Jean-Batist Clemenc, se se isola ao presenciar, e não fazer nada para impedir, um suicídio no Rio Sena. Clemence sofre com sua culpa, escutando o grito do suicida como uma verdadeira...catábase.

 Quem não sentiu tais sentimentos em suas vidas atribuladas?


Clemence espera um milagre quando diz:  "ó jovem, atira-se de novo no rio, para que eu possa salvar sua vida..."

 

Infelizmente, muitas situações de nossas vidas não oferecem uma segunda oportunidade. 

A catábase está à espreita esperando nossos erros. Pelo menos na literatura.

 

   Ou não...






Valdocir Trevisan
é gaúcho, gremista e jornalista. Escreve no blog Violências Culturais. Para acessar: clica aqui