Gira, gira, engrenagem, crônica de Dias Campos

por Dias Campos__


Street art: Banksy



“As fontes da grandeza e felicidade de um povo, a indústria, o comércio, as artes, as ciências e as mais luminosas instituições da sabedoria, não podem prosperar senão no seio da paz e da confiança.”


Quando li essa afirmação de D. Raimundo de Seixas, senti alegria e tristeza. Aquela, porque com ele concordo, em gênero e número; esta, porque a omissão ainda grassa sobre o planeta azul.


Aqui, abro um parêntese, tal qual fez o nosso sempre Machado: “Sei que não tens nada com as minhas mazelas, nem eu as conto aqui para interessar-te; conto-as, porque há certo alívio em dizer a gente o que padece.”


Mas se me senti triste, o desenrolar desta crônica seguramente me aliviará.


Observa primeiro, amigo leitor, este estorvo à obtenção da paz, e que foi muito bem exemplificado por Scott Fitzgerald, quando do diálogo travado entre Rosemary e Tommy Bardan, em Suave é a noite:


“- Vai para casa?


“- Para casa? Não tenho casa. Vou para a guerra.


“- Que guerra?


“Que guerra? Qualquer guerra. Não vi nenhum jornal, ultimamente, mas creio que há alguma guerra por aí. Sempre há.”


Com efeito, e como cantava Elis Regina, em Alô, alô marciano, “Pra variar, estamos em guerra...”


Ao que parece, concluiriam os pessimistas, os terráqueos jamais deixarão de seguir as sandálias empoeiradas de Marte. – Neste ponto, faço questão de esclarecer que, por guerra, não me refiro apenas à beligerância em sentido estrito, mas, também, a todo e qualquer meio por que se busque tomar um poder legitimamente constituído, sejam as revoluções, os atos terroristas, a corrupção institucionalizada, etc.


Já os pragmáticos talvez se espelhassem em Remy de Gourmont, para quem “Tem-se a paz, quando se pode impô-la”. – Ah! Essa pax romanorum que volta e meia ressuscita!...


É por essas e por outras razões que muitos acabariam concordando com o poeta Luís Murat: “Paz, em verdade, só há na morte.” – E Requiesce in pace, arrematariam, de boa-fé, os sacerdotes.


É óbvio que o viver na Terra não é nada fácil. Temos inúmeros problemas, e eles continuarão a nos desafiar.


No entanto, se o pessimismo sobrepujar a esperança, se o pragmatismo for a via mais percorrida, se a resignação deixar para além do sepulcro o que clama a Humanidade, o deus da guerra terá muito a nos agradecer, pois sem dúvida estaremos dificultando, atrasando a nossa evolução!


Mas, então, o que fazer? como deveremos agir?


De primeiro, nunca poderemos deixar de observar, e de aceitar, os nossos próprios limites. Afinal, super-homem só existe no cinema.


Não obstante a nossa singela realidade, cada um deve se compenetrar da sua importância como verdadeira engrenagem na sociedade.


Daí que, se por vontade própria essa pequenina peça dentada se recusar a girar (omissão), não se imprimirá o necessário movimento ao relógio social, o que acarretará demora na consolidação da paz universal.


Mas se cada um fizer a sua parte, mesmo que mínima; se cada ser humano aderir de bom grado a este objetivo divino, então, leitor amigo, ninguém conseguirá impedir que a paz reine um dia sobre todo o orbe.


Neste sentido, que não deixemos de soltar balões e pombas brancas, de caminhar vestindo alvas camisas e empunhando velas acesas, de contribuir com a ajuda humanitária, de participar das campanhas de caridade, de orar, de tolerar, de perdoar, de revidar o mal com o bem!...


E que prossigamos, ó irmãos de ofício, comemorando os dias 21 de setembro por meio das nossas belas letras, tecidas em prosa ou em verso.


Que alívio!

 

 



Dias Campos é autor do romance "As vidas do chanceler de ferro", Lisboa: Chiado Editora; Colunista do Jornal ROL; do (atual) site Cultura & Cidadania; do Portal Show Vip; e do (atual) portal Pense! Numa notícia; autor de diversos textos literários; autor e coautor de livros e artigos jurídicos.