Três poemas de Adriane Garcia

por Taciana Oliveira__ 





CADERNO DE ESQUECIMENTOS

 

Faça um caderno de viagens se

Não quiser se esquecer de mais da metade

Dos lugares em que esteve ou

Antes de dormir

Peça para sonhar

 

Agora não sei mais se foi minha mãe, meu pai ou minha avó

Quem me disse para não apontar para as estrelas

Porque me nasceriam verrugas

Como as de uma bruxa

Agora não me lembro se na ponta dos dedos ou do nariz

 

Das estrelas me lembro, nunca mais as vi

Eram como vaga-lumes acesos no abismo escuro

Se eu as tivesse contado e anotado em um caderno

Hoje saberia quantas eram

E quem me acompanhava olhando o breu.




VÍRUS

 

 

A borboleta azul toca a genciana roxa

 

Cavalos selvagens se recuperam nas estepes

 

Em lugares em que o homem parou

 

A vida continua

 

 

 

O elefante e o rinoceronte indianos

 

Só têm uma esperança

 

Assim como as orcas e os golfinhos

 

Aguardam nossa reclusão

 

 

 

Terrível proibir-nos abraços

 

Quando vem uma peste que nos chama pelo nome

 

Mas os canais de Veneza ficaram limpos

 

 Sorriram mostrando seus peixes.

 

 


FICÇÃO CIENTÍFICA

 

 

Quando tudo for desolação

 

Ainda teremos livros sagrados

 

Em que uma história conveniente

 

Deu toda a Terra ao homem

 

(e nunca mais ele se contentou

 

com um lugar modesto no planeta)

 

 

 

Somos conhecidos como os grandes-boca-de-peixe

 

Nas montanhas as cabras nos tratam por

 

Bocas-do-abismo

 

Em uma convenção de pássaros

 

Nos definiram como os hálitos-venenosos

 

 

Há dias os golfinhos conversam sobre nós

 

“Se havia tanto amor que praticassem”

 

(o capitalismo é uma doença autoimune

 

o deus que dança é uma baleia jubarte)

 

 

 

Ainda assim faremos nossa sopa de

 

Barbatana de tubarão

 

E os filmes de ficção científica

 

Vão continuar tentando

 

Salvar nossa raça extinta.






Adriane Garcia, poeta, nascida e residente em Belo Horizonte. Publicou Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Embrulhado para viagem (col. Leve um Livro, 2016), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018), Arraial do Curral del Rei – a desmemória dos bois (ed. Conceito Editorial, 2019) e Eva-proto-poeta, ed. Caos & Letras, 2020.







Taciana Oliveira – editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga. I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…