O importante é florescer | Germana Accioly

 por Germana Accioly__


 



Abri a porta da área de serviço e me deparei com três brotos no caule do pé de mamão. Há meses eu rego, vigio, cuido. Há meses, ele cresce. Era um tico de planta que batia no meu joelho. Hoje faz sombra em mim. O pé de mamão foi um presente do meu pai, plantado no oitão do apartamento térreo. Uma vivência que me leva à infância. Eu e papai já plantamos algumas árvores juntos. Eu, ele e a terra fértil de possibilidades. Daqui a dois dias a mudança vai. E eu vou deixar os frutos. Justo na semana da despedida, eles apontaram.

 

Me debruço sobre este significado. Deixo sempre um pouco de mim. Talvez os passarinhos agradeçam. Talvez, os novos moradores vejam o mamoeiro como um presente, um sinal de boas-vindas. Ou, quem sabe, um estorvo.

 

Cultivei, velei. Em dias de chuva forte vinha ver como estava. Tratei do caule quando num destes torós ele quebrou. Fiz uma pequena tala: usei um daqueles pauzinhos de sushi e um arame envolto de plástico que peguei num pacote de pão de caixa. E sarou. Não é o curativo que salva, eu penso. É o cuidado. O olhar atento, o carinho.

E chego a sentir a garganta presa por deixar a árvore frondosa. Este meu instinto materno se espalha e se manifesta aos borbotões. Como sair e não ter o prazer de provar o primeiro fruto?

 

Neste emaranhado de pensamentos, lembro que um pé de mamão nasceu no canteiro do prédio vizinho. E eu cheguei a colher algumas vezes os frutos. Talvez seja essa a grande beleza da vida. O pé de mamão nem meu é. É da terra, é dele mesmo. É dos passarinhos, é dos novos moradores, é de quem queira com ele dividir a existência. É dos frutos.

 

Eu sigo o meu caminho de vida. Novo endereço, nova paisagem, respiração mais firme e cadenciada. Levo comigo a alegria de ter camadas de memórias, de ter plantado esta ideia com meu pai, o homem do dedo verde. Meu pai me ensinou que é preciso plantar para colher.

 

Na terceira mudança em pouco mais de três anos, vou aprendendo a me desprender. Que a colheita nem sempre é linear. Plantei um mamoeiro no meu oitão, colhi o mamão do canteiro vizinho. Que a safra sempre seja abundante. O importante é florescer.



 


Germana Accioly
é escritora e jornalista. Publicou “Não é sobre você” (Selo Mirada, 2021). Escreve no blog Perder de Vista.