Sexy é quem sabe | Yvonne Miller

 por Yvonne Miller__


Intervenção na foto de Taylor Wilcox





Até um dia desses, a gente suspeitava que minha enteada estava apaixonada pelo novo colega de turma. Logo no início do ano havia se espalhado o rumor sobre a chegada dele de São Paulo. Um professor deixou escapar o nome e era questão de minutos para acharem uma foto nas redes sociais.


— O Marcelo é muito gato! — anunciou ao voltar da escola esse dia, os olhos brilhando.


Acompanhamos tudo da primeira fileira da plateia: pelas palavras da minha enteada visualizamos o Ensino Médio inteiro cochichando nos corredores – “Já viu?”, “Um gatinho pra chamar de meu!”, “Aprende a dividir, pô!”, “Será que ele curte meninas ou meninos?”, “Talvez os dois.” – a ansiedade crescendo, os hormônios estourando e, quando finalmente chegou, a luta por obter a atenção dele. Nesses dias, minha enteada chegava em casa animadíssima, nem parecia que tinha passado o dia todo na escola. Contava os últimos causos das “Crônicas do Marcelo”: quem tinha conseguido sentar ao lado dele no ônibus, que fulano ia fazer uma festa só para convidar ele... Ela mesma se ofereceu para mostrar o bairro para o recém-chegado. Ele aceitou o convite e só faltava ela não voltar dos passeios.


Não se incomodava com o jeito retraído do Marcelo que pouco parecia ligar para o burburinho à sua volta, nem com o fato dele não saber fazer um suco de laranja, nem quando ele furou aquela festa inventada especialmente para ele – ela achava tudo lindo: “É o jeitinho dele.”


Até que um dia desses chegou em casa com a cara fechada, largou a mochila no chão e se jogou no sofá, chateada.


— O que foi, filha?


— Brochei, ó.


— De quê?


— Do Marcelo.


— O que ele fez?


— Nada. Eu perguntei se já tinha tirado o título.


— E aí?


— Ele disse que não liga pra política.


Foi assim que acabou a primeira paixão da minha enteada. Fica a dica.

 




Yvonne Miller nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora, 2018), A Banalidade do Mal (Mirada, 2020), Histórias de uma quarentena (Holodeck Editora, 2021). É cronista do coletivo sócio-literário @bora_cronicar, do blog Escritor Brasileiro e assina a coluna “Isso dá uma crônica” do ColetiveArts. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares. É uma das organizadoras da coletânea de contos cearenses Quando a maré encher (Selo Mirada, 2021). Instagram: @yvonnemiller_escritora