por Davison Souza__
Voltando pra casa, depois de longos dias vagando pelo mundo, meu coração-cansado, cheio de amor, tem a saudade do encontro, do aconchego, do dengo e do afeto. Dobrando a esquina escura da rua em que moro, sinto o cheiro do café. Aquele aroma amargo me faz lembrar de casa, acelero o passo, com a ânsia de quem deseja o (re)encontro.
Chegando no portão, o cheiro se intensifica, fico em êxtase! Como pode um aroma ter tanto poder sobre meu corpo? na bolsa, procuro as chaves, remexo, remexo, remexo e as encontro escondidas entre o livro de contos da Chimamanda e a toalha de rosto. Giro a chave e abro o portão silenciosamente, não quero alarmar minha chegada.
Subindo as escadas, a mala em minha mão direita pesa, nela estão as estórias, os causos e os sonhos que carrego por onde vivo. Meu corpo-pronúncia repleto de saudades caminha, a cada passo, os 16 degraus vão diminuindo, do último degrau eu avisto Dona Maria, sentada em uma cadeira de alumínio na entrada da casa, em suas mãos está sua agulha-companheira, juntas elas vão tecendo - como Anancy - por meio da circularidade a arte do crochê. Seu cabelo está preso, os fios brancos que o percorrem - são as narrativas de suas andarilhagens - seu olhar está atento ao movimento da agulha.
No corredor que antecede a porta, eu deixo a mala - já não é necessário carregar o peso daquelas estórias sozinho - Dona Maria se levanta, me olha nos olhos e com a ternura de quem espera me dá um abraço, eu a aperto, e os longos minutos daquele entrelaçar de corpos-negros me conforta. O cheiro de sua pele ainda é o mesmo que carrego na memória, deito minha cabeça em seu ombro, suas mãos-inchadas me seguram, sinto a mesma segurança de quando era menino e cabia na palma de sua mão.
Me soltando aos poucos, Dona Maria, me olha e diz
— Tem café
Acenando com a cabeça, eu entro, pego a xícara AMARela, ponho-a em cima do balcão, abro a garrafa de café e o ponho na xícara, o som do líquido preto escorrendo dentro do recipiente, a fumaça subindo, seguro a xícara entre meus dedos a elevo para perto do meu nariz, respiro, sinto o cheiro forte do café. No primeiro gole, sinto o gosto AMARgo - está do jeito que eu gosto, então eu sorrio.
Ela me pergunta:
— Como está o café?
Está ótimo, eu respondo. Volto meu olhar ao dela e percebo: como é bom estar em casa.
Davison Souza é filho do seu José e da dona Maria, nascido na periferia de fortaleza, Pretagogo é formado em pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará, pesquisador em educação antirracista, educaçãopopular e política de cotas raciais. Atualmente cursa o Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE-UECE). É artista e ilustrador digital, formado nos “corres” da vida. Expoe sus artes na página do Instagram @pretart,em que dialoga sobre corpos negros e seus diversos atravessamentos na sociedaderacista do Brasil. É o autor do livro Cota não é esmola: as cotas raciais na UECE, que carrega o selo da editora Mirada.