Mais dois umbus, crônica de Anthony Almeida

 por Anthony Almeida___


   
                                        
        Cheguei em Caruaru. O ônibus que me trouxe do Recife, antes de me desembarcar na rodoviária, passou pelo Centro. Ele sempre passa e eu sempre desço no Centro. Dessa vez, entretanto, segui direto e fui até a rodoviária. Uma decisão antiprática, é verdade. Levarei mais tempo para chegar em casa. Permaneço, porém, gostando de revisitar paisagens e lugares caruaruenses quando volto à cidade.

Já faz mais de ano que voltei a morar em Pernambuco. Ainda assim, há dias em que escolho passear, antipraticamente, por caminhos, paisagens e memórias. Outro domingo mesmo... Saí de casa, no Recife, e peguei o primeiro ônibus que passou na Agamenon. Dei um belo balão pela sinuosa e povoada zona norte da metrópole. Recuperei, com isso, um hábito que tinha quando fui morar pela primeira vez no Recife. Lá em 2011, toda semana, eu escolhia um ônibus e saía explorando a grande cidade. Esse movimento me fez visitar 13 dos 14 municípios da região metropolitana. Falta só Araçoiaba — qualquer dia vou lá.

Ao chegar em Caruaru, decidi que não desceria no Centro para, mais uma vez, cair num passeio sem muita objetividade. Contemplação, reencontro, lembranças... — catucando mais fundo, talvez eu encontre significados para esse movimento. Fato é que desci na rodoviária e, logo que saí do ônibus, fui dar uma olhada na paisagem. Há um parapeito que permite uma boa visão da cidade, com o Morro Bom Jesus, sua pouca vegetação e suas muitas casas, escadarias e antenas como protagonistas. Saquei o celular, fiz uma foto e postei, acompanhada de musiquinha de Luiz Gonzaga: "Caruaru, obrigado Caruaru! / Se tô no norte, se tô no sul / Nunca me esqueço de Caruaru / Tanã nanã".

Depois de um sorriso, rumei à outra satisfação. Numa das lanchonetes da rodoviária, se faz um sanduíche de queijo de coalho. Pão francês e coalho são assados na chapa, uma crostinha tostada se forma e envolve o queijo que, delicioso, se derrete na boca do sujeito. É bem bom. Tô aqui mastigando ele e achando muito gostoso, naturalmente. Mas teve uma coisa ainda mais gostosa e que aconteceu logo que pousei na lanchonete. Sentado no tamborete, cotovelos apoiados no balcão, olhos atentos ao cardápio na parede, um quadro preto com letrinhas amarelas — sanduíche de queijo de coalho: R$ 7, de queijo de manteiga: R$ 8 —, a dona do estabelecimento veio me atender com uma surpresa na mão: um carnudo umbu verde.

Acontece que um dos motivos dessa minha vinda a Caruaru foi justamente o umbu. Meu pai desenrolou meio mundo de umbu e pediu que eu viesse buscar e degustar. Aqui estou, naturalmente, novamente. Aí, quando vi a mulher dando uma dentada na fruta, não me contive. Na hora, soltei:

— Tem outro umbu desse aí, não, perdido por aí?

Sou um sujeito de natural tímido e dificilmente puxaria um papo desse tipo — e um pedido com a boca cheia d'água —, se o que ela tivesse em mãos fosse uma seriguela, uma rodela de abacaxi ou um bago de jaca. Mas era mesmo um carnudo umbu verde que ela chupava, e logo me sorriu quando viu a minha cara misturada de timidez com desejo e surpresa. Seguiu sorrindo, lascou um salzinho no seu umbu e depois foi lá para dentro. Voltou com outro umbu para mim. 

Já me sentindo íntimo, satisfeito e vitorioso, um cúmplice, entabulei, claro:

— Me arrume um pouquinho desse sal também, por favor.

Agradeci a gentileza, chupei meu umbu com sal, em êxtase, e agora saboreio o sanduíche de queijo de coalho. Deve ter sido para viver isso que, mesmo ainda sem saber, minutos atrás, decidi que desceria na rodoviária e não no Centro. Deve, sim.


— Caruaru. Março, 2024.



Anthony Almeida nasceu em 1989, em Caruaru/PE. É cronista, geógrafo, professor e editor-adjunto da RUBEM – Revista da Crônica. Atualmente desenvolve pesquisa de doutorado em Geografia Literária na UFPE, campus Recife, sobre o tema ‘Geograficidades do mundo vivido-escrito na crônica brasileira’. Escreve para a Revista Mirada. Saiba mais em: https://linktr.ee/anthonypaalmeida