por Carlos Monteiro__
A Geni de cada um de nós
Todos nós, de alguma maneira, em algum momento da existência terrena, já fomos um pouco Geni. Não na interpretação ipsis litteris dos versos geniais de Chico Buarque, fazendo uma apreciação ‘ao pé da letra’, de forma literal para ficar bem redundante e claro, sem nenhum trocadilho infame, mas em sua essência, em sua dura realidade nua e crua, em sua mais profunda sutileza subliminar.
Quantos de nós já levamos pedradas, atiradas por aqueles ‘pecadores’ perversos, aos quais demos a mão um dia, embotados pelo encanto do pedido sofrido de olhos rasos d’água? Quantos pedregulhos partiram de mãos despudoradas, amorais, imorais, cujos interesses escusos visavam somente a si mesmos vieram em nossa direção, acertando-nos o ‘alvo’ do coração? Quantas vezes sofremos a perfídia da ingratidão de quem recebeu nosso amparo nas horas incertas?
Quantos enganadores sorrateiros e vis escarraram descaradamente no prato que lhes servimos? Quantas palavras ferinas foram balbuciadas em nossa direção, emolduradas por sorrisos sarcásticos em ‘pele de cordeiro’? Quantas vezes tivemos nossas estimas surradas por corações desumanos, revestidos pelo mais puro aço cinzento e blindado? Quantos momentos maquiavélicos, com toques suntzianos, cruzaram nossos caminhos com o ‘pseudônimo’ de amigo-amor? Quantos ou quantas pergunto?
Quantos de nós já fomos chutados para o livro apagado de alguma história, mesmo quando a escrevemos, dirigimos e a protagonizamos? Quantas vezes fomos malditos no povir em nossos poços de bondade? Quanta vezes, diante do apavoro da geleia geral, fomos a única salvação plausível existente e, em nosso algibe de benevolência, socorremos os ‘desvalidos’, àquela altura, totalmente indefesos, abatidos e alquebrados?
Quantas vezes, mesmo diante da iniquidade dominante, do drama mais ardiloso, dos orifícios em chagas, do dirigível cintilante à deriva, nos colocamos à disposição do servil sem necessidades de brilho e cobre?
Quantas vezes fomos a única salvação do milharal, do alcaide remodelado em gestor competente, benedictum est, em um ‘beija mão’ quase santificado, cheirando a angélica, jasmim e mel? Quantas vezes fomos arrebatados pela ingratidão da ilusão no teatro do absurdo, com a paga da praga do Óbolo de Caronte? Quantos Creontes por nós passaram?
E assim, repletos de todo sentimento, como encantados seguimos sem nos desvencilhar do tempo, sem nada dizer, em plena delicadeza com sussurros dolentes, sem julgamentos axiológicos, recebendo os excrementos produzidos pelos corações mais empedernidos, como se fora luz, como se fora amor, como se fora bem, como se fora nada.
A vida nos prega peças tragicômicas e antagônicas…
Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.