por *Taciana Oliveira |
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Fotografia: Duda Coutinho |
Super 8: resistência cultural no coração do Recife
O Centro do Recife, apesar de seu inegável valor histórico e artístico, vive um cenário de progressivo esvaziamento populacional e degradação urbana. Dados da Prefeitura revelam que apenas 5,08% da população da capital reside atualmente na área central. Esse êxodo acarreta consequências imediatas e visíveis, como a sensação de insegurança, a falta de manutenção de espaços públicos e o acúmulo de lixo, evidenciando um aparente descaso com o patrimônio urbano. A deterioração não se restringe as vias públicas. Muitos edifícios históricos permanecem subutilizados ou completamente desocupados. Um levantamento preocupante aponta que no bairro histórico de Santo Antônio, mais de 37% dos imóveis consultados estão ociosos. A isso soma-se a questão da limpeza urbana, com a presença constante de lixo nas ruas, agravada pela baixa fiscalização e pela desobediência aos horários de coleta, reforçando a percepção de uma perda da dignidade urbana. Contudo, em meio a esse quadro desafiador, surgem iniciativas de fomento à habitação e à cultura que se apresentam como motores para a revitalização do centro da cidade. Políticas de incentivo à ocupação de imóveis ociosos, como o programa Recentro — que propõe o uso obrigatório ou IPTU progressivo, podendo culminar em desapropriação-sanção —, despontam como caminhos viáveis para resgatar o tecido urbano. Essas medidas demonstram que o estímulo à moradia pode ser um pilar fundamental para reconstruir a vida e a “alma” da cidade.
Nesse contexto de luta pela reocupação e revitalização, despontam iniciativas culturais que se tornam verdadeiros pontos de resistência. Entre letreiros luminosos, sofás na calçada e a agitação da Rua Mamede Simões, localizada no bairro de Santo Amaro (um dos onze que compõem o Centro do Recife), o Bar Super 8 se consolidou, em três anos, como um dos principais pontos de encontro entre cinema, música e vida urbana no Recife. Mais do que um bar, o espaço é um cineclube que já exibiu mais de oitocentas obras audiovisuais, a maioria independentes, reafirmando seu papel como palco de resistência cultural em meio ao esvaziamento do centro da cidade. Iniciativas como a transmissão histórica do Oscar, parcerias com distribuidoras e sessões que aproximam cineastas consagrados e iniciantes transformaram o Super 8 em referência na cena cultural pernambucana.
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Fotografia de Duda Coutinho |
Ao celebrar sua trajetória e projetar o futuro, os idealizadores do espaço Vinícius Costa e Thor Neukranz falam sobre os desafios, conquistas e planos que mantêm viva a chama do cineclubismo no Recife.
ENTREVISTA — TRÊS ANOS DO BAR SUPER 8
1. O Bar Super 8 surgiu com a proposta de resistência cultural no Centro do Recife. Olhando para esses três anos, qual você diria que foi o maior desafio e a maior conquista do projeto?
Thor Neukranz: O maior desafio é se manter diante do abandono do Centro do Recife, da falta de segurança e da ausência de incentivo das autoridades. Muitos bares importantes fecharam, como o Bar Central. O Super 8 atrai público com a programação cultural, mas é preciso que o poder público faça sua parte. Quanto às conquistas, destaco as participações de cineastas como Katia Mesel, Paulo Bruscky e Gabriel Mascaro, além de instituições como a Cinemateca Pernambucana, a UFPE e a Aliança Francesa.
Vinícius Costa: O maior desafio foi resistir ao esvaziamento do Centro recifense, à falta de público e de apoio financeiro. A maior conquista foi manter uma regularidade semanal de exibições, fomentando a cena e inserindo o Super 8 no calendário cultural da cidade.
2. O espaço ficou marcado por iniciativas singulares, como a transmissão histórica do Oscar. Que outras ações você destacaria como momentos relevantes na trajetória do Super 8?
Thor Neukranz: Tivemos sessões com Adelina Pontual e Cláudio Assis, uma homenagem ao Sítio de Pai Adão, debates sobre Inteligência Artificial com nomes como Fred 04 e Katia Mesel, e a exibição de documentários-denúncia como Ipojuca à Venda, com participação de trabalhadoras afetadas pelos impactos ambientais no litoral sul.
Vinícius Costa: Destaco a homenagem ao Cinema São Luiz, feita quando a sala estava fechada — um ato cultural e político. Também as sessões com a banda Aves Sangria, com os Devotos e com Paulo Bruscky. Mas considero que o grande motor do cineclube é dar espaço a cineastas iniciantes, exibindo obras que dificilmente teriam visibilidade.
3. Mais de 800 obras independentes já passaram pela tela do cineclube. Como tem sido a recepção do público e qual a importância de dar espaço a novos realizadores?
Thor Neukranz: A recepção tem sido muito positiva. Muitos realizadores exibem pela primeira vez seus filmes conosco. Além da exibição, oferecemos contexto em textos, debates e falas, ampliando a circulação das obras e a visibilidade dos autores.
Vinícius Costa: A recepção é excelente. Como trabalhamos de forma independente e coletiva, estudantes e novos cineastas se identificam e participam ativamente. Costumamos colocar iniciantes em diálogo com realizadores mais experientes, o que gera trocas valiosas para todos.
4. O Super 8 também reativou a vida cultural de uma rua antes esvaziada. Como vocês enxergam o impacto do projeto no entorno e na cena cultural da cidade?
Thor Neukranz: Os cineclubes fazem parte da tradição cultural do Recife desde os anos 1940. O público mostra que o centro tem vocação para a efervescência cultural, apesar das dificuldades. Queremos que a arte autoral seja mais valorizada pelo público, pelo poder público e pelos empresários para fortalecer a cena e a economia. Recife precisa de mais espaços culturais com infraestrutura.
Vinícius Costa: Há várias iniciativas de resistência no Centro do Recife, não só o Super 8. Apesar do esvaziamento e da falta de políticas públicas, os agentes culturais seguem ativos. O Super 8 contribui oferecendo exibições gratuitas e semanais, fortalecendo a cena da cidade.
5. Para 2025, estão previstas homenagens ao cinema pernambucano e diálogos com literatura e fotografia. Pode adiantar quais colaborações e novidades o público pode esperar?
Thor Neukranz: Teremos sessões dedicadas à Aurora Filmes e à produtora Cabra Quente, além de parcerias com a UFPE e o Senac. Vamos lançar livros, videoclipes e filmes locais. Também levaremos o Encontro de Cinema Pernambucano para São Paulo, realizando por lá cinco sessões com obras pernambucanas.
Vinícius Costa: Queremos acompanhar e exibir o que for mais relevante do cinema pernambucano, participar de campanhas de divulgação e ampliar a galeria com exposições de fotografia. Também estão previstos lançamentos de livros.
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Fotografia: Duda Coutinho |
6. Em tempos de políticas culturais fragilizadas e de um centro urbano em abandono, o que significa “resistir” e como vocês imaginam a sustentabilidade do projeto no futuro?
Thor Neukranz: Resistir é seguir trabalhando pelo que acreditamos, abrindo espaço para quem precisa. A sustentabilidade depende de consistência e seriedade, buscando não só editais, mas também apoiadores que permitam melhorar equipamentos e infraestrutura.
Vinícius Costa: Resistir é simplesmente persistir. Para o futuro, precisamos lutar por mais intervenção e incentivo do poder público, além de fortalecer parcerias.
7. O Bar Super 8 se tornou também um ponto de encontro entre cineastas, artistas e público. De que forma esses encontros improváveis ajudaram a fortalecer a rede do cinema independente em Pernambuco?
Thor Neukranz: O Super 8 reuniu artistas consagrados e emergentes, gerando parcerias que já resultam em novos filmes. Além das sessões, a galeria de arte recebeu nomes como Toni Braga, Ignus, Duda Coutinho e Pamella Biernaski, fortalecendo a rede cultural.
Vinícius Costa: O diferencial é ser um espaço de debate aberto em um bar. O público participa junto aos realizadores, ampliando a rede e gerando trocas intergeracionais. É um espaço gratuito e acessível, algo raro na cidade, e isso fortalece o cinema independente.
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Fotografia: Pamella Biernaski |
Thor Neukranz nasceu no Recife, em 1991, filho de um imigrante alemão branco e de mãe preta brasileira. Formado pela escola francesa Ateliers Varan e em Cinema & Audiovisual pela UFPE, participou da produção de vários filmes e curadorias de cineclubes. É idealizador e curador dos Encontros do Cinema Pernambucano, realizados no Bar Super 8.
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Foto: Duda Coutinho |
Vinícius Barbosa da Costa é fundador do Bar Super 8, cineclube e espaço cultural independente no Recife, criado em 2022. Produtor cultural, atua na curadoria e gestão do espaço, articulando ações de difusão audiovisual e integração entre cinema, música e artes visuais.
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