É a música insone do corpo | Seis breves poemas e uma inscrição inéditos de Manoel T. R.-Leal

 por Manoel T. R.-Leal | 

Manoel Tavares Rodrigues-Leal (1941–2016) — ©

Luís de Barreiros Tavares (fotografia em alto contraste — c 2012)


Os textos são redigidos em diversos suportes de papel (de 1968 a 1992)


Nas horas solitárias do espírito / É bom caminhar ao sol / Ao longo dos muros amarelos do verão. [In den einsamen Stunden des Geistes / Ist es schön, in der Sonne zu gehn / An den gelben Mauern des Sommers hin.]

Georg Trakl – trad. João Barrento


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é a música insone do corpo

Lx. 1992 — inscrição numa folha solta — não assinado

Inscrição


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I

intensa tarde de verão e de vozes

pequena tarde íntima 

que se permite


Lx. 7/6/68 — em folha solta de bloco pautado — assinado Manoel Tavares Rodrigues-Leal


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II

Senhor, Vossos rios desaguam

em o límpido regaço dos dias,

quando Vos debruçais atento e dadivoso.


Lx. 3-4-77 – do caderno A Secreta Primavera — pautado com linhas verticais laterais — assinado: “Manoel Tavares Rodrigues-Leal” e “Manoel Pereira de Gouveia”


Manuscrito do poema II

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III

eis o fluxo de água e beleza

eis o dia antigo e prometido


é então que me volvo para ti e digo tristeza


Lx. 30/4/92 — em folha solta de bloco não pautado — assinado “Manoel Ferreira da Motta Cardôso”. Com ligeiras alterações, este pseudónimo assinou mais tarde dois livros de edição de autor: Manoel Ferreyra da Motta Cardôzo (2007).


Manuscritos dos poemas I (à direita) e III (à esquerda)

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IV

casa habitada pelo útero

enquanto o pénis passa veloz.


o instante é minha voz 


Lx. 8/5/92 — em folha solta de bloco não pautado — assinado com iniciais “M. F. da M. C.” (Manoel Ferreira da Motta Cardôzo) 


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V

comovo-me, exausto e exacto,

em cada dia que passa


só a brancura solar do teu corpo me enternece


Lx. 14/5/92 — em folha solta de bloco não pautado — assinado com iniciais “M. F. da M. C.” (Manoel Ferreira da Motta Cardôso) 


Manuscrito do poema V — com uma nota: “Só escrevo merda / sou doente / não consigo escrever”

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VI

habito a casa

breve é o estar

o silêncio não repousa nos teus ombros


Lx. 14/5/92 — em folha solta de bloco não pautado — assinado com iniciais “M. F. da M. C.” (Manoel Ferreira da Motta Cardôso) 


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Anotações

Sobre os pseudónimos e nomes de família de linhagem aristocrática, ver o Blogue de João Trigueiros (Artes, Letras e Baionetas):

https://artesletrasebaionetas.blogspot.com/2018/10/poeta-manuel-tavares-rodrigues-leal.html


Como já foi referido noutros lugares, “Manoel Tavares Rodrigues-Leal” é o nome civil, com acrescento do hífen. Para além dos pseudónimos mencionados nesta publicação, há, entre outras variações menos relevantes: “Manoel de Souza-Valente” e “Manoel da Cunha e Mello”, assinando livros de edição de autor. Sobre o nome “Manoel” em vários dos seus pseudónimos (por vezes emprega “heterónimos” numa atenta ressonância com Pessoa), M. T. R.-Leal tece algumas impressões: “Manoel” enquanto “matriz” ou “núcleo aglutinador”, ou ainda “ortónimo”, perpassando os pseudónimos. Entre estas e outras reflexões do poeta, há, por exemplo, o “mimetismo mental e intelectual” dos nomes, enquanto “em Pessoa é um teatro [o tal “drama em gente”]. “Serei eu tão teatral como o Pessoa ou doente na verdade?” (M.T.R.-Leal). Ver o nosso extenso estudo (120 p.) na revista internacional “Pessoa Plural” (Brown University, University of Warwick, Universidad de los Andes):Manoel Tavares Rodrigues-Leal evocando e ecoando Fernando Pessoa”, p. 413):

https://repository.library.brown.edu/studio/item/bdr:1117613/


Artigo recente na revista “Triplov” (16/08/2025) com poemas em diversos suportes de papel (“a brancura de Maio deslumbrado no teu corpo em metamorfose”); estabelecendo ligação às revistas “Mirada” e “Caliban”:

https://triplov.pt/wp-content/uploads/2025/08/brancura-manuel-t-rodrigues-leal.pdf


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*Poemas coligidos por Luís de Barreiros Tavares





Manoel Tavares Rodrigues-Leal
(Lisboa, 1941–2016) foi aluno das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra, frequentando até ao 5.º e último ano, mas não concluindo. Em jovem conviveu com Herberto Helder no café Monte Carlo frequentando com ele “as festas meio clandestinas, as parties de Lisboa dos anos 60 e princípios de 70”. Nesses anos conviveu também com Gastão Cruz, Maria Velho da Costa, José Sebag, entre outros. Trabalhou na Biblioteca Nacional como “Auxiliar de Armazém de Biblioteconomia”. “A minha chefe deixava-me sair mais cedo para acabar o meu primeiro livro”, A Duração da Eternidade (2007). Publicou cinco livros de poesia de edição de autor. As suas últimas semanas de vida foram terrivelmente trágicas. Caído no quarto, morrendo absolutamente só no Natal e passagem do Ano 2015–2016.