Recife chove e chora | Germana Accioly

por Germana Accioly__





Água nem sempre é benção.  E nós, humanos, quase sempre somos praga. Em dias como hoje, em que o Recife se desmancha como um torrão de açúcar, me vem a sensação de revolta.


É melhor construir viadutos do que fazer canaletas. É mais evidente investir em Wi-Fi universal do que construir moradias seguras. Maquiar as ruas pintando ciclo faixas dá mais visibilidade do que construir contenção nos morros.


Será?


Todo ano chove. E agora, sem dúvidas, é hora de cuidar das pessoas. Mas todo o resto do ano é hora de cuidar da cidade para que as pessoas não sofram.


É urgente modificar esta lógica.


Recife chove e chora.


Alguém me diz que não se pode prever uma tempestade como esta. Verdade. Mas a gente sabe os pontos mais fragilizados, as áreas mais sensíveis.


Presencio transtornos. Fico ilhada, não posso me mexer pela cidade.


Mas há milhares de pessoas neste momento perdendo o pouco que têm.  Do alto do meu apartamento, e do privilégio, escrevo minha indignação.


Sinto na pele muito pouco da tragédia.  Mas me movo.


Busco diminuir a fome de alguns, denuncio, busco criar pontes humanas, que não vão cair na próxima calamidade.


Em cada esquina existe uma necessidade.


Recife, cuide dos seus. Seja abraço e segurança para quem neste solo molhado nasceu.


Tá na hora de inverter as prioridades. Ninguém é feliz sabendo que tantas pessoas estão devastadas.

 





Germana Accioly
é escritora e jornalista. Publicou “Não é sobre você” (Selo Mirada, 2021). Escreve no blog Perder de Vista.