Plaquete com três poemas de Leonardo Castelo Branco


por Taciana Oliveira__

 

Photo by Odair Faléco on Unsplash

Herança

 

Quando eu morrer

abra o peito da cidade

mergulhe-me lá dentro

deixe a carne se vestir de concreto

 

é certo

meu sangue

será soprado nos grafites

meus ossos

serão a cura da patologia dos edifícios

 

quando eu morrer, faça isso

e viverei para sempre nas vielas dos seus olhos

 


eco

 

gosto da ideia do verso com vida

própria

que funciona independente

da engenharia da poesia

imagino-o flanando

livre

se reproduzindo

em mini-versos

como

coelhos psicodélicos

brotando nos muros como

unha de gato

ou talvez como um disco riscado

se repetindo, se autossabotando

transbordando

nas bocas de lobo:

inundação poética

num sábado sóbrio



 

Renasço no largo Santa Cecília

 

manhã de abril. abro janela E caderno

o poema sai como um míssil:

estilhaços de palavras me penetram E enfeitiçam

a inspiração peçonhenta colore prédios desbotados

um morador de rua se cobre com as notícias de ontem

sentimentos se prostituem na esquina do sistema circulatório da cidade

buzinas, sirenes, gritos se aglomeram num único som.

sim, o som da cidade bela E desgraçada acontecendo;

a cidade que abriga E embriaga todas as estações E

nasce E morre, nasce E morre, nasce E morre

(todo dia)

uma certeza que tenho,

é que o fim do mundo começou aqui:

onde o caos dita a cadência da decadência,

na cidade em que a felicidade é paga

daqui também vejo a catedral:

ensolarada, amarela, plácida

escuto as badaladas do meio-dia E das seis da tarde

  badaladas que despertam a lembrança de minha solidão inevitável

            badaladas que se misturam ao som da cidade acontecendo

            badaladas que evocam o espírito de Baudelaire

me resta tapar os ouvidos e acender um cigarro no pôr do sol,

seguir cego a namorar a cidade E

preencher o caderno de impossíveis.


*Download do plaquete: clica aqui

 

  

 








Leonardo Castelo Branco é poeta, copywriter e roteirista. Em 2016, escreveu o curta-metragem “À Margem de Nós Mesmos” - projeto vencedor do prêmio de melhor direção no New Renaissance Film Festival, na Holanda. Em 2020, seu conto “Edifício Fantasia” foi a grande surpresa da competição nacional de contos da 32º Semana de Letras da UNESP, ficando em terceiro lugar. Atualmente trabalha em seu primeiro livro de poemas e publica seus escritos em sua conta no Instagram, @leonardocastelob 






Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga.  Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…