por Taciana Oliveira |
Edilson Martins relança clássico sobre a violência contra povos indígenas em tempos de COP 30
Publicado originalmente em 1974 pela editora Codecri, ligada ao Pasquim, Nossos índios, nossos mortos volta às livrarias meio século depois, agora em edição da Letra Capital Editora. O livro, que vendeu mais de 350 mil exemplares em sua primeira edição e esteve esgotado por cinco décadas, reúne reportagens, entrevistas e artigos nos quais o jornalista e documentarista Edilson Martins denunciou, em plena ditadura militar, massacres, remoções e a devastação da Amazônia.
A nova edição preserva a linguagem direta da obra original, mas inclui novidades, como um prefácio inédito e uma crônica sobre Marina Silva, escrita quando ela foi convidada pelo presidente Lula, em 2002, para assumir o Ministério do Meio Ambiente. O volume mantém ainda os textos originais de apresentação do escritor Antônio Callado, imortal da ABL, e do sertanista Apoena Meirelles.
O lançamento acontece no dia 17 de setembro, às 18h, na Livraria da Travessa de Botafogo, no Rio de Janeiro, com entrevista ao vivo concedida ao jornalista Ricardo Lessa e exibição de vídeos produzidos pelo autor.
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Os irmãos Villas-Boas, sertanistas, tiveram papel decisivo na criação do 1º Parque Nacional Indígena do país, em 1962, por decisão do presidente Jânio Quadros. Nascidos em SP, estado historicamente “caçador de índios” tornaram-se símbolos da defesa intransigente de povos originários.
Documento histórico da causa indígena
Com nove capítulos e 44 fotografias, Nossos índios, nossos mortos deu voz a lideranças como Mário Juruna (Xavante), o Cacique Umeru (Bororo) e o sertanista Orlando Villas-Bôas. Ao mesmo tempo, retratou o impacto das missões religiosas, os efeitos da mineração, epidemias, frentes de expansão e políticas de “pacificação”. Para Martins, essas vozes foram decisivas:
“Foram verdadeiras pitonisas. Nos anos 1970, a Amazônia ainda não havia sido devastada, mas sob o bordão da ditadura — ‘homens sem terra para a terra sem homens’, uma grande mentira — começava a grande agressão.”
Nascido no Seringal Esperança, entre o Amazonas e o Acre, o autor cresceu ouvindo relatos das “correrias” — expedições de seringalistas para exterminar aldeias. Essa vivência moldou sua perspectiva crítica e sua trajetória jornalística, marcada pela defesa dos povos da floresta. Mais tarde, ele receberia o Prêmio Vladimir Herzog pelo documentário Chico Mendes — Um povo da floresta, exibido em dezenas de países.
Os anos 70, para esses povos originários, principalmente os localizados na Amazônia, ainda não devassada, foi o início de um tempo de confrontos. As crianças foram as primeiras penalizadas.
Entrevista com Edilson Martins
1. Nossos índios, nossos mortos foi publicado em plena ditadura e tornou-se um marco na denúncia da violência contra povos indígenas. O que mais o surpreende ao revisitar esse livro meio século depois?
O livro permanece atual. Seu relançamento desperta hoje a mesma curiosidade — talvez até maior — do que nos anos 1970. Naquele tempo havia censura, havia ditadura, mas o interesse atual revela que a situação dos povos originários segue dramática, talvez ainda mais.
2. A nova edição chega em um momento decisivo, às vésperas da COP 30, que será realizada em Belém. Como o senhor enxerga as conexões entre os massacres denunciados nos anos 1970 e a atual emergência climática?
Se o chamado processo civilizatório, do qual fazemos parte, tivesse sabedoria, ouviria os povos originários nesta COP 30 e aprenderia com eles como viver em harmonia com o meio ambiente. Os anos 1970 não inauguraram o processo de extermínio dessas populações, que vem desde 1500. A diferença é que, naquele período, os massacres, a exclusão e a subjugação ganharam visibilidade. A novidade foi a denúncia.
3. O livro preserva o impacto de entrevistas históricas, como as de Mário Juruna, Umeru e Orlando Villas-Bôas. O que essas vozes significaram para a compreensão do Brasil e da Amazônia naquele período?
Foram vozes essenciais, sobretudo as desses grandes chefes, que denunciaram e previram o que viria. Foram verdadeiras pitonisas. Nos anos 1970, a Amazônia ainda não havia sido devastada. Fora das cidades e de alguns núcleos de ocupação, a floresta permanecia praticamente intocada. Existiam dezenas, talvez centenas de povos vivendo isolados. Mas, sob o bordão da ditadura — “homens sem terra para a terra sem homens”, uma grande mentira — começava a grande agressão.
4. O senhor nasceu no Seringal Esperança, cresceu ouvindo relatos das “correrias” e transformou essa vivência em trajetória jornalística e literária. De que forma sua experiência pessoal moldou a escrita e a perspectiva crítica do livro?
De fato, nasci em um seringal, no coração de uma Amazônia ainda intocada, que era a unidade central do ciclo da borracha, novo motor do capitalismo naquele momento. Assim como a Casa-Grande e Senzala foram a base dos ciclos da cana-de-açúcar e da mineração, o seringal desempenhou esse papel no ciclo da borracha. Naquela época a indústria dependia do látex, que só existia nas seringueiras da Amazônia, especialmente no vale do rio Acre, então pertencente à Bolívia. Sou filho desse mundo, e foi a partir dessa experiência que construí minha escrita e minha perspectiva crítica.
5. Hoje, depois de mais de 350 mil exemplares vendidos e décadas fora de catálogo, Nossos índios, nossos mortos retorna às livrarias. O que espera que as novas gerações encontrem e aprendam nessa leitura?
Acredito que as novas gerações, movidas pela curiosidade e pelo acesso ampliado (seja pelas redes sociais, pela imprensa ou até por veículos internacionais), possam se interessar pelo livro. Espero que elas encontrem nele uma das raízes de nossa identidade cultural, histórica e também afetiva.
Lançamento: 17 de setembro, 4ª feira, a partir das 18h, na Livraria da Travessa de Botafogo (Rio de Janeiro), com entrevista ao vivo do autor para o jornalista Ricardo Lessa (Valor Econômico), e exibição de vídeos curtos pertinentes ao livro e produzidos pelo autor.
Ficha Técnica:
Título: Nossos índios, nossos mortos
Autor: Edilson Martins
Editora: Letra Capital Editora (nova edição)
Extensão: 288 páginas, 44 fotos
Edilson Martins é jornalista, escritor e documentarista. Foi preso político no final dos anos 1960. Viveu e reportou de perto os conflitos da Amazônia e a luta dos povos indígenas, seringueiros e camponeses. É autor de obras como Nós, do Araguaia; Chico Mendes: Um povo da floresta; Amazônia — a última fronteira; Páginas Verdes e Bediai — O Selvagem. Como documentarista, dirigiu Chico Mendes — Um povo da floresta, premiado com o Vladimir Herzog. Devido a seu extenso histórico de viagens, o autor possui um dos mais robustos acervos de registros visuais — fotos, vídeos, etc. — dos indígenas brasileiros e da Amazônia, abordando e ilustrando temas como meio ambiente, povos originários, cultura, questões sociais e territoriais.
Taciana Oliveira — Natural de Recife–PE, Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector — A Descoberta do Mundo”. Publicou Coisa Perdida (Mirada, 2023) livro de poemas.




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